Emoção, saudosismo e representatividade marcaram o espetáculo “Roda”
“Hoje eu vi Toni, um homem gigante que esse meu pedacinho de chão teve a honra de vê-lo passar como um rei. Um homem que entregou AMOR, poesia e uma potente leveza, mesmo em um mundo que ser artista, preto, nordestino não seja uma missão suave” essas são as palavras da historiadora e coordenadora do movimento negro unificado de Alagoas Sandra Sena para saudar o grande professor Toni Edson.
“Nos estudantes da ETA não esperávamos menos de nossa amada escola. Fomos tomados por uma angústia inicial devido ao silêncio sobre uma possível homenagem, quando vimos as primeiras chamadas para o impactante Roda, a emoção nos tomou conta e compreendemos que não era uma produção ruidosa, mas produzida no amor, numa melodia baixinha para não atrapalhar um processo tão delicado que reverberou no que vimos, uma comoção total do público.” Disse emocionado o ator formado na ETA Gyl Acalantara.
A quarta e quinta-feira, 23 e 24 de fevereiro de 2022 respectivamente não foram apenas mais dois dias comuns na vida dos alunos do 3º período do curso de Arte Dramática da Escola Técnicas de Artes (ETA) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), assim como para muitos artistas, alunos e amigos do saudoso professor, artista, contador de história, militante da causa preta que estiveram na ETA para assistir o espetáculo “Roda”, em homenagem ao professor Toni “O contador de história” como ele gostava de ser chamado.
Um ponto de vale ser destacado foi o belíssimo trabalho entre o diretor artístico do espetáculo David Farias e os alunos do 3º período, quem em tão pouco tempo, conseguiu unir uma equipe de forma presencial, guardando um outro projeto de espetáculo que seria “Beatriz e a cobra de fogo” de concepção do próprio Toni, reformular e fazer nascer o que nas próprias palavras do diretor artístico, um espetáculo de “amor e saudade”. Roda foi embalado musicalmente por canções de Toni Edson e arranjos compostos por Miran Abs especialmente para esta homenagem.
O reitor da Ufal, Josealdo Tonholo contou que teve a oportunidade no dia 23 de assistir a primeira sessão, e falou que esse espetáculo é cheio de simbologia, primeiro pelo próprio nome “Roda” que faz uma relação direta com o espaço circular da ETA, que está sendo usado como teatro ou anfiteatro, ele também mostra que o mundo dá voltas e mais voltas e por vezes nós não damos conta de acompanhar tudo que está acontecendo.
“O Roda é uma homenagem justa a Toni Edson que foi nosso professor da Escola Técnica de Artes, mas muito mais do que professor ele foi uma figura, ele era icônico, o seu jeito de ser e de agir e suas manifestações sempre poéticas vão deixar saudades em todos nós e a sua importância para a ETA fica muito clara, está revelada ao ponto de que mesmo numa situação de atividades não presenciais, conseguiram reunir um time de quase 50 pessoas entre elenco, técnicos em espetáculo e produção, para essa homenagem, então Toni Edson deixa para a gente muitas lições e algumas delas nós nem estejamos preparados para entender, porque ainda teremos que digerir e tentar absorvê-las para os próximos anos”, destaca o professor Tonholo.
Vale destacar que nessa equipe de aproximadamente 50 pessoas, o Prof. David Farias, condutor do processo cênico, colega e amigo de Toni Edson, conta que foi um processo muito delicado, pois “os sentimentos estavam aflorados, acesos como uma chama, foi um projeto construído também com muitas lágrimas de toda a equipe envolvida, a cada noite de ensaio, a cada novo fragmento do texto que era entregue ao elenco, a emoção contagiava, a presença e a memória de Toni Edson estava pulsando a todo tempo e o tempo todo. Estruturar uma dramaturgia baseada na oralidade e na memória do próprio do Toni, um amigo, meu irmão preto que vida me sagrou, foi um luto revivido a cada dia até a estreia, pois ao ver todas sessões lotadas e a necessidade de sessão extra, percebi que de fato ele vive nos corações de tanta gente que o amava e isso nos conforta”.
Uma curiosidade sobre o processo de construção do espetáculo, é que a metodologia de extrair do elenco cenas e texto, é autoral e que ele chama de “Teatro do Desejo” e foi o Toni que lhe sugeriu esse nome, por sinal, “é importante falar que a plateia presente foi diversa e composta por docentes/colegas, todos os alunos que passaram pelo Toni e que estavam em Maceió, militantes do movimento preto, artistas de várias linguagens, sobretudo seus amigos e admiradores, foi um sentimento de comoção tão grande no espetáculo que parecia um ritual de despedida, muitas pessoas não conseguiram ir ao velório por ser em Aracaju e viram no Roda esse elo de despedida ao tempo que uma merecida homenagem, foi um espetáculo para enaltecer o legado, a vida e honrar a sua história, a peça tratou de alguns episódios de racismo que ele sofreu, tratou das batas africanas que ele trajava triunfantemente, de suas inúmeras facetas artísticas para além de ator”, relembra o diretor.
Homero Cavalcante, outro importante artista da cena alagoana, ex-professor do Curso de Teatro Licenciatura da Ufal, um grande amigo do Toni, também se fez presente e falou um pouco do que viu e sentiu “Muito me honra ver uma turma tão jovem, se empenhando em perpetuar a memória do Toni, me emociona ver que para além do Toni dá para ver que o teatro existe, continua existindo, porque nós deixamos de existir apenas na matéria, e assim como foi dito o Toni ainda está aqui! Porque assim como o próspero da peça “Tempestade” de William Shakespeare diz “nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos”, ou seja, mesmo tendo nos deixado nesse plano, ainda somos feito dessa matéria dos sonhos” conta com alegria um dos maiores e atuantes nomes de fazedores do teatro alagoano.
Vida, obra, projetos futuros de um ser humano que era pura arte
Parceira de vida e trabalho de Toni, Amanda Rodri conta um pouco de como foi o convite para assistir ao espetáculo “Receber o convite para assistir o espetáculo “Roda” me trouxe um misto de emoções, porque ainda é um momento muito aceso na minha estrada e de todas as pessoas que conviveram e trabalharam com o Toni, esse momento de ruptura, da partida, essa transmutação que acontece com a gente nesse estágio da vida, mas também ter a dimensão do que o Toni é para tantas pessoas, assistir ao espetáculo me traz esses sentimentos que só ao falar já me leva para aquele momento novamente. Ver a beleza, a leveza e a potência do impacto que o Toni causou na vida de cada um daqueles que conviveram, trabalhavam e com quem ele partilhava, saberes, experiências, os momentos e o carinho. Mas principalmente porque era a turma do Toni na ETA, era a turma de alunos na qual ele estava trabalhando, que estavam em processo de formação para aquilo que era a raiz do Toni, o teatro e que eu compartilho dessa raiz”, conta Amanda que é atriz, produtora cultural, preparadora de elenco, professora de teatro, artesã, escrevinhadora, e partilheira de vida do Toni Edson.
Ela conta ainda que quando foi contactada pelo diretor do espetáculo, sobre a possibilidade dessa construção com os alunos do Toni e nesse lugar para homenageá-lo, foi uma forma de perceber que ele ainda está aqui e vai continuar com cada uma das pessoas, de acordo com a raiz ancestral do qual eles partilhavam o Toni é um Baobá, uma árvore imensa, potente, que alimenta, que nutri e que mesmo nos lugares mais escassos produz vida, nesse caso a arte, e também saber que dentro da própria ETA a semente que ele deixou vai germinar e florescer, para fazer nascerem outros Baobás.
O professor Toni Edson, estava no que podemos chamar de uma escalada muito bonita na sua vida profissional, começando a desfrutar de um momento de reconhecimento e esse olhar nesse sentido, curiosamente veio durante esse período de pandemia que estamos vivendo. Esse momento de ascensão, estava vindo acompanhado de diversos projetos, escrita com livros de contos que ele voltou a fazer durante a pandemia, e apesar de ele sempre falar “ah, não sei se sou compositor”, também diversas composições musicais estavam sendo escritas, sendo que uma dessas a “Meu Zambelê” na voz de Mel nascimento conquistou o primeiro lugar no VII Festival Canção da Transamazônica (Fecant).
Ele possuía muitos projetos, de curto, médio e longo prazo em várias áreas, e muitos deles foi em parceria com a Amanda Rodri, “eu gosto de falar que o universo nos traz pessoas que acabam por ser nossos espelhos e é muito interessante como eu me via muito no Toni e ele se via muito em mim, numa parceria que ia além do encontro de duas pessoas mas, os encontro de dois profissionais, amantes de arte e que tem na sua essência a potência do fazer artístico, porque eu me lanço também nesse mundo, da escrita, audiovisual, teatro e etc”, conta Amanda.
O professor Toni era um militante assíduo da causa preta e um de seus maiores projetos, interrompidos pela sua passagem de plano, era um espaço de arte e cultura para o povo preto, para crianças pretas, atores pretos. O projeto não foi deixado de lado, pois ele vai seguir, com o comando da Amanda na cidade de Aracaju, que era um de seus desejos em vida.
O professor Toni, era considerado por muitos como um ser humano muito sensível, forte e visionário, com uma capacidade enorme de transformar tudo em arte e isso era refletido até na sua casa, onde a arte estava presente em cada detalhe, desde a entrada, até a área de serviço nos fundos de sua residência. Porque esse era um lugar onde ele projetava toda essa arte, até nos detalhes e lugares mais simples, a arte estava lá permeando.
Toda essa projeção artística tinha um significado, como ator preto, dramaturgo, professor doutor universitário e como potência. Porque era com base na sua essência “afrocentrada”, nessa “linha” que ele tecia e costurava sua vida e sua obra, da suas raízes, saberes e de trazer isso à vista e de quanto isso é importante para a base, conhecer e reverenciar essa história. E ter um espaço, em forma de espetáculo que leva seu nome de certa forma é reconhecer a sua passagem por todas essas estradas por onde ele transitava e transita em essência, e que ele pode ser muito bem chamado de “discipulo-mestre”.
“Uma certeza a gente tem, a saudade, a alegria dele fica e é muito forte em todos nós que o conhecemos de alguma forma, a Ufal vai lamentar sempre a perda do professor Toni Edson e aqueles que tinham um contato direto com ele sabem o quanto ele os influenciou e quanto isso vai impactar na sua vida futura. Particularmente nessa área da cultura o Toni recebeu uma justíssima homenagem e que não seja a última, mas, mais do que homenagem, ele nos deixou muitas lições e muitas delas ainda vamos precisar digerir para entendê-las na integralidade”, finaliza o professor Tonholo.
Para encerrar essa matéria com entusiasmo, reproduzimos a fala do prof. David Farias, agora como diretor geral da ETA, “neste local, conhecido historicamente como CEU – Centro Encontro Universitário da Ufal, onde hoje nos reunirmos em roda, em breve se tornará no Teatro Toni Edson.” Sob aplausos calorosos e muita emoção a notícia foi comemorada pelo público presente. Evoé!
Matéria produzida por Paulo Canuto, estudante de jornalismo e voluntário no projeto de extensão Bureau de Comunicação Comunitária da Agerp Cos/UFAL, coordenado pela professora Manuela Callou e adjunta Keka Rabelo, Fotos Cadu Moura.
Serviço:
Lançamento versão virtual do Espetáculo Roda
Local: Canal Escola Técnica de Artes Ufal no YouTube
Link: https://www.youtube.com/watch?v=31gmUCnGNFA
Assessoria de Comunicação Keka Rabelo 55 82 98849 2085