Pesquisa da Ufal mostra grau de vulnerabilidade à erosão na Barra de São Miguel
Ampliar conhecimento do meio físico para se estabelecer diretrizes racionais de utilização de áreas costeiras no estado de Alagoas é uma atual necessidade. Nesse contexto, foi concluída uma pesquisa que teve como objetivo analisar as características geomorfológicas, sedimentológicas e morfodinâmicas da plataforma continental interna rasa do litoral do município de Barra de São Miguel, a 34 km da capital.
O estudo científico foi realizado pelo professor Henrique Ravi, do Centro de Ciências Agrárias (Ceca) da Universidade Federal de Alagoas para a tese de doutorado defendida recentemente na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O doutorado foi direcionado à linha de pesquisa de Geologia Sedimentar e Ambiental e contemplou ainda na área pesquisada, a análise do grau de vulnerabilidade à erosão costeira.
Desenvolvido em todo o litoral do município da Barra de São Miguel, compreendeu tanto o estudo morfodinâmico dos 10 km de linha de costa e plataforma continental rasa, como também, da caracterização da compartimentação geomorfológica do município. A costa, subdividida em dois setores, levou em consideração às diferentes altitudes da linha de costa, a variação da largura do perfil ativo, a geologia, a geomorfologia e a ocupação antrópica (pelo homem).
Segundo o pesquisador, dentre as motivações para o desenvolvimento da pesquisa está o fato do litoral do município da Barra de São Miguel se localizar entre as unidades ambientais litorâneas que mais apresentam vocação à implantação de atividades socioeconômicas que perturbam o meio natural, afetando o estado de equilíbrio dos ecossistemas costeiro e marinho.
“A ampla urbanização do litoral, onde aproximadamente 57% são residências de veraneio e comércios, e a presença de regiões ainda preservadas ao longo da costa do município também foram fatores decisivos na escolha do mesmo. Desta forma, foi possível identificar o nível de vulnerabilidade da costa a elevação do nível do mar em duas áreas distintas. E por consequência, os impactos sobre o núcleo urbano preexistem e em áreas ainda preservadas, além do estabelecimento de limites não edificantes nestas regiões”, destacou Henrique Ravi.
Iniciada em 2016 e dividida em três etapas dotadas de coletas de informações, atividade de campo e laboratório, os estudos científicos foram realizados no Laboratório de Geologia e Geofísica Marinha (LGGM), que pertence ao Programa de Pós-graduação em Geologia da UFPE, com pesquisa das análises granulométricas dos sedimentos praiais e dos coletados na plataforma continental rasa. Conforme Henrique, só por meio destes parâmetros ambientais é que foi possível determinar o índice de retrogradação do litoral à elevação do nível médio do mar.
Erosão e monitoramento
Ao explicar o que é a erosão costeira, Henrique Ravi enfatiza que é um processo natural do ambiente praial, pois a praia tende a erodir no inverno, devido à forte ‘esbeltez’ das ondas, ou seja, o encurvamento, enquanto no verão tende a recuperar os sedimentos perdidos. Essa capacidade de retornar à configuração original, segundo o pesquisador, é que torna as praias tão eficazes como elemento de proteção. “O problema em si, está na ocupação antrópica (do homem) da citada região, que atua na modificação e impermeabilização do litoral, alterando o balanço de sedimentos entre setores praiais. Causando assim, um desequilíbrio no sistema e por consequência, a destruição de edificações”, diz.
Do ponto de vista científico ele destaca que, a partir da metodologia adotada, pode-se considerar que a pesquisa define um ponto de partida para o monitoramento da variabilidade transversal de compartimentações praiais no litoral do Estado, podendo ser adotada como referencial para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas. “Outra importância, é que neste primeiro momento, já foi possível determinar e compreender os processos morfodinâmicos, sedimentológicos e geomorfológicos, de fundamental importância, por serem os grandes responsáveis pela remobilização de sedimentos na plataforma continental e pelos mecanismos de erosão, transporte e deposição de sedimentos na zona costeira”, enfatiza o pesquisador.
Ele aproveita para destacar que é imprescindível a realização de outros estudos relacionados à dinâmica costeira em Alagoas: “Visto ser consenso entre pesquisadores que para se obter resultados temporais que expressem o comportamento histórico de um determinado litoral, hajam observações sistemáticas durante um período mínimo de dez anos, pois só assim será possível distinguir entre uma tendência de momento erosivos e deposicionais em determinadas épocas do ano, como por exemplo, durante as estações climáticas, uma tendência de recuo contínuo da linha da costa e eventos erosivos ocasionados por eventos extremos, como tempestades”, enfatiza Henrique.
Mesmo concluído o doutorado, o objetivo do pesquisador é continuar o monitoramento contínuo por meio do desenvolvimento de projetos. “Seja via Pibic ou demais agências de fomento à pesquisa, como também, já estamos desenvolvendo um projeto de extensão para ser aplicado nas escolas do município da Barra de São Miguel. Será uma ótima oportunidade para a Universidade tratar o assunto com a comunidade local”, frisa.
Henrique acrescenta ser importante a participação de alunos da Ufal por se constituir numa nova linha de pesquisa no curso de Engenharia de Agrimensura, onde eles terão contato com diferentes assuntos. Como por exemplo, gerenciamento costeiro, sedimentologia, oceanografia, geomorfologia costeira e climatologia, além da trabalhar com assuntos já consolidados no curso, como Cartografia, Topografia e Levantamento GNSS.
Metodologia utilizada
Ravi diz que para determinar os impactos da elevação do nível médio do mar sobre o litoral da Barra de São Miguel foi adotada na metodologia um cenário otimista de 0,48m acima do nível atual, sendo possível inferir que os recuos da linha de costa serão elevados. Atingindo, assim, todas as edificações do núcleo urbano edificado, ou seja, 57% do litoral do município, desde a marina localizada na foz do Complexo Estuarino Lagunar do Roteiro até o hotel Kenoa a nordeste do município.
Segundo o pesquisador, a amplitude dos recuos está interligada ao tipo de costa (arenosa ou rochosa), altitude da face da pós-praia, sedimentologia da praia e antepraia, batimetria da plataforma continental rasa, sistema de ventos, clima de ondas e outros fatores, como por exemplo o nível de conservação do litoral. “A partir da análise destes fatores, verificamos o nível de vulnerabilidade e constatamos que os recuos da posição da linha de costa atual seriam da ordem de 8,5 m a 37 m na região urbanizada e de 15 m na área preservada após o hotel Kenoa, se estendendo a nordeste até o limite com o município de Marechal Deodoro”, explica.
Torna-se importante frisar que os resultados da pesquisa se basearam nas previsões de elevação do nível médio do mar global, estimadas pelo Intergovernmental Panel of Climate Change (IPCC). As previsões são estabelecidas por meio de publicações de relatório sobre mudanças climáticas, no qual o Painel considera diferentes cenários elaborados a partir de variáveis diferenciadas como: estruturas econômicas modificadas, ações que promovem o desenvolvimento sustentável, fontes de energia e aumento da população.
Henrique destaca, ainda, que o estudo realizado é o único a utilizar a metodologia citada para definir níveis de vulnerabilidade, erosão e amplitude dos recuos litorâneos no estado de Alagoas. E complementa: “No entanto, a mesma metodologia já está consolidada em várias pesquisas internacionais e nacionais, sendo adotada por pesquisadores de renome acadêmico, como por exemplo, o professor Valdir do Amaral Vaz Manso, do Departamento de Geologia da UFPE, que atua fortemente em estudos relacionados a dinâmica costeira no litoral brasileiro”.
Projeto Orla: desafios
Para a implantação do gerenciamento costeiro, existe legislação como a publicada em 16 de maio de 1988, a Lei nº 7.661, que determina a elaboração do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). Em 20 de dezembro de 1996 veio a Portaria Ministerial nº 0440, que instituiu o Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro (GI-Gerco) coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O objetivo do Gerco é operacionalizar o Plano Nacional de forma descentralizada e participativa, tendo como arranjo institucional, para a sua execução, o Ministério do Meio Ambiente como órgão central, coordenando todas as ações na esfera federal. Os governos dos 17 estados litorâneos são articulados por meio dos seus respectivos órgãos ambientais, no papel de executores estaduais, os quais buscam integrar ações com os municípios.
Em se tratando de Alagoas, o professor Henrique diz que o exercício do gerenciamento costeiro com o citado plano foi implementado em 14 de janeiro de 2009, conforme Decreto Nº 4.098, que instituiu o Projeto Orla para o litoral do Estado. A ação é coordenada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) e a Gerência do Serviço de Patrimônio da União em Alagoas (GRPU), estando a Comissão Técnica do Estado de Alagoas (CTE/AL) vinculada ao Instituto do Meio Ambiente (IMA). Este, responsável por operacionalizar e subsidiar tecnicamente as ações formuladas pela Coordenação Estadual do projeto.
“Dentre os 20 Municípios litorâneos do Estado de Alagoas, Paripueira foi o primeiro a aderir ao Projeto Orla e o único a concluí-lo, designando a Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente para coordenar o Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima (PGI)”, conta. A Prefeitura de Paripueira apresentou, em 2012, o Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima do Município, onde constam as condições para compatibilização das políticas patrimoniais, ambientais e urbanas de forma integrada e sustentável, a partir das legislações vigentes. Como também, promover a criação de outras que resguardem e protejam os espaços litorâneos de forma preventiva, respeitando os processos naturais das dinâmicas marinhas.
Sobre a fiscalização da implantação do Projeto Orla, Henrique enfatiza que cabe ao poder público de Alagoas estabelecer diretrizes gerais e específicas e fiscalizar e normatizar a ocupação do litoral, tendo em vista fatores econômicos, sociais, ecológicos, culturais, paisagísticos e outros com pertinência ao planejamento de sua ocupação.
“No entanto, é perceptível que nos últimos anos a implementação do PNGC tem avançado de forma inconstante e desigual quando considerada as diferentes regiões da costa brasileira. Ao tratar das questões políticas relativas à implantação deste, constatam-se obstáculos em todos os níveis. Há marcantes diferenças quanto aos padrões de comportamento político, da capacidade de financiamento e sustentação financeira, do acervo e da capacidade técnica das equipes, diferenças no grau de organização da sociedade, entre outras. Estes fatos têm acarretado problemas para o pleno exercício das ações descentralizadas do PNGC”, destacou Henrique Ravi.
Assessoria