A Dificuldade de Ouvir o Outro: Um Sintoma dos Tempos Modernos

A Dificuldade de Ouvir o Outro: Um Sintoma dos Tempos Modernos

Daniela Hernandez de Barros

Em uma sociedade marcada pela velocidade da informação e pela superficialidade das interações, ouvir genuinamente o outro tornou-se um desafio cada vez mais raro. Essa dificuldade, embora pareça um aspecto simples das relações humanas, carrega implicações profundas, tanto no nível individual quanto coletivo. Sob o prisma da Psicologia, essa incapacidade de escutar é um reflexo de fatores culturais, emocionais e cognitivos que moldam o comportamento humano nos tempos atuais.

A Pressa e o Ego nas Relações Humanas

Um dos principais fatores que contribuem para a dificuldade de escutar é o imediatismo que permeia nossas vidas. Redes sociais, mensagens instantâneas e multitarefas constantes criam um ambiente onde a atenção é dispersa e fragmentada. Para a Psicologia Cognitiva, o cérebro humano não foi projetado para processar simultaneamente tantas informações, o que reduz a capacidade de focar na escuta ativa.

Além disso, o fenômeno do “egocentrismo digital”, intensificado pelas redes sociais, faz com que muitas pessoas priorizem expressar suas opiniões em vez de se abrir para ouvir as dos outros. Estudos mostram que o ato de compartilhar pensamentos nas redes ativa os mesmos circuitos cerebrais do prazer, como os estimulados por comida ou recompensas financeiras. Esse reforço positivo contribui para uma comunicação cada vez mais centrada no “eu”.

A Empatia em Crise

No campo da Psicologia Social, a empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, aparece como uma habilidade essencial para ouvir verdadeiramente. No entanto, essa habilidade tem se deteriorado. É cada vez mais perceptível uma queda nos níveis de empatia ao longo das últimas décadas, especialmente entre os jovens. A explicação pode estar relacionada ao excesso de estímulos digitais e à menor exposição a interações presenciais profundas.

O psicólogo Carl Rogers, um dos pioneiros da Abordagem Centrada na Pessoa, já enfatizava que a escuta empática é uma das maiores demonstrações de respeito e conexão humana. Sem ela, relações se tornam superficiais, conflitos aumentam e sentimentos de isolamento emergem.

Os Efeitos Psicológicos de Não Ser Ouvido

Para quem não é ouvido, as consequências são significativas. O ato de desabafar tem papel terapêutico, pois reduz tensões emocionais e promove clareza sobre os próprios sentimentos. Quando essa possibilidade é negada, podem surgir sentimentos de solidão, desamparo e até sintomas de ansiedade e depressão.

Além disso, a ausência de escuta ativa mina a qualidade das relações interpessoais. Em casais, por exemplo, a incapacidade de escutar é frequentemente citada como uma das principais causas de desentendimentos. Na esfera profissional, a falta de comunicação efetiva pode prejudicar o trabalho em equipe e reduzir a produtividade.

Como Reconstruir a Capacidade de Ouvir

A Psicologia sugere estratégias práticas para desenvolver a escuta ativa. Técnicas da terapia cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo, ensinam a reformular pensamentos automáticos para se concentrar melhor no momento presente. Já práticas de mindfulness ajudam a treinar a atenção plena, tornando mais fácil ouvir o outro sem distrações.

Além disso, a empatia pode ser estimulada intencionalmente. Exercícios como imaginar-se na posição de outra pessoa ou refletir sobre suas experiências são ferramentas simples, mas poderosas, para reverter a desconexão emocional.

Ouvir o outro, no sentido mais profundo do termo, é um ato de humanidade que está em crise. No entanto, é também uma habilidade que pode ser resgatada com esforço consciente e autoconhecimento. A Psicologia nos lembra que ouvir não é apenas uma questão de comunicação, mas um exercício de empatia e conexão. Em tempos de vozes tão altas e silêncios tão profundos, quem aprende a ouvir se torna um farol de acolhimento em meio ao ruído.

Daniela Hernandez de Barros, Psicóloga (CRP 15/3726) e Jornalista (MTB 2027/AL). Formada pelo Centro Universitário CESMAC; Especialista em Urgência, Emergência e Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) pela UNIT; Capacitação em Psicologia Jurídica e Processos Psicológicos Criminais, Capacitação em Avaliação Psicológica, Capacitação em Psicologia Breve.

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